Grandiosa monotonia

Da janela do meu quarto, há uma página em branco. Ainda que da janela do meu quarto surjam multidões, num alvoroço matutino, que bate ferozmente no tempo, para chegar aos sítios de sempre. São rotinas onde, para observadores mais astutos, até pode viver muito interesse, eu é que não lhes consigo encontrar algum. Pensei muito nisto, vagueei pelas mesmas ruas, fui aos mesmos cafés, jantei nos mesmos restaurantes, vesti as mesmas roupas, calcei os mesmos sapatos. Senti-me aborrecer. Pensei se seria esse o mesmo sentimento desta gente que se atravessa pela janela do meu quarto e parei para pensar… E parei, de pensar.

Da janela do meu quarto, ainda há uma página em branco.

Talvez o problema não esteja nas pessoas que se deixam pintar em tons neutros rotineiros. Parecem-me satisfeitas na sua condição monocromática. Não me parece que lhes falte nada. Talvez seja apenas eu que lhes sinto tanta falta. Por ventura, é somente a mim tanto o que me falta. Falta-me a visão dos grandes. Aqueles que, por estarem lá no alto, são capazes de olhar para tudo com outra perspetiva, inalcançável para os que rastejam dez centímetros acima do nível do mar. Nisto de inventar importância à trivialidade dos dias, antes um milímetro abaixo do céu do que dez centímetros acima do afogamento. E bastava que conseguisse ser eu um rio em poesia que banha a terra seca das coisas novas que não mais florescem aqui. Tudo seria frescura polinizada, pétalas de genialidade prosaica. Mas não sou, mas não é.

Agora, tudo são fendas no solo árido, onde repousam aplausos fossilizados. Restam-nos histórias que nos contam feitos de glórias antigas, cronologia ditada das fábulas soterradas algures no vazio que se ergue entre o tudo que foi e o tanto que já não é. Isto é mesmo assim, os rasgos de inspiração são mesmo isso… rasgos, rachas, fissuras, sulcos assimétricos que, espaçadamente, abalam o plano geral mais coeso, mais uniforme, mais igual, mais desinteressante, mais aborrecido, mais desesperante, mais do mesmo, mais do menos.

Mas conseguisse ser eu toda a força marítima que galga os rochedos inertes e viesse inundar o chão áspero onde não mais te alimentas… tudo seriam flores e campos de vida entusiasta a rebentar em vagens laureadas. E do silêncio rasgavam, novamente, os aplausos frescos, rugidos em epopeia. Pudesse ser eu outra capacidade distante de pensamento, a monotonia seria um abalo ligeiro numa aventura grandiosa. E talvez aí, da janela do meu quarto, tudo fosse mais colorido. Mas não sou, mas não é. E, da janela do meu quarto, apenas uma página em branco.

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