Tudo isto que és tu

Sinto-te, não defino. Sei que és isto que não se resume, que não se confina na clausura de uma expressão usada tantas vezes, errada vezes demais. Penso-te e sei que há isto que eu não sei o que é, de onde nasceu. Uma flor a rasgar-me o peito, a assentar raízes por dentro. Outras vezes árvore imponente de ramos despidos, chão esmagado pelo tombo das folhas findadas. Isto que a gente não analisa o que é, isto que não se entende, de onde veio nem para onde vai. Sei que há isto que nos reflete, uma sala de espelhos a revelar a simetria perfeita entre dois mundos paralelos no sentir. É isto que sei que vive nos teus olhos de café, tónico de todas as manhãs, a manter-me desperto para ouvir o que não se diz quando isto me invade.

Isto que eu já nem sei se te vivo ou se te sonho. Um estalar dos ossos a anunciar que o corpo se move, se mexe, se precipita para o fundo do peito. E eu, a ver-te desfilar pelos ponteiros do relógio. Constante, quase como se os segundos se fundissem contigo e o tempo fosses tu, acesa e intensa, numa permanência de fogo a incendiar florestas de inverno. E depois a chuva a lamentar o teu nome, a trazer o cheiro da terra queimada. E tu, tatuada no pensamento, a ver-me resvalar pelo vale humedecido dos teus lábios. E nós, uma ideia abstrata na concretização disto.

Isto que eu não sei se cresce, se definha, se morre, se imortaliza ou se mata. Isto que a gente não sabe se é, se será ou se já foi. Isto que não se sabe se habita ou se parte. E às vezes parte, e às vezes completa, e às vezes esvazia. Um impacto para a extinção do que se foi, uma cratera para a germinação do que se é. Isto que ninguém sabe se vai, se volta, se cai ou se voa. Isto que eu já nem sei o que sou. E é isto que nos acontece, perdemo-nos nas colinas do que julgávamos ser e depois encontramo-nos. E é isto que eu só sei que és tu.

Isto tudo que a gente sente e não exprime. Isto tudo que a gente só respira. Isto tudo que nos cala para o resto. Isto tanto e com tudo que às vezes parece que as palavras são poucas. E depois há os poetas que já gastaram todas… E, no meio disto, valha-nos a sorte de podermos escutar sem falar. Sentir sem expressar. É que nisto há tanta coisa que se esgota nas palavras, há tanta coisa que se vive no silêncio. E é urgente, sobretudo, começar por respirar. Primeiro a respiração, e depois o resto. É assim que se ama. Respira-se, e depois o resto. Como um estoiro mudo dos sentidos todos em uníssono, a erguer isto tudo que não se contém. E é só isto, ou é tudo isto. Por isso, olha… Respiro-te.

tudoistoqueestu_obohemio

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