No momento em que te espero

Espero-te, na sombra da tarde. Espero-te, consciente do que espero. Espero-te, sabendo bem o que espero. Sei que foste antes de mim, assim como fui antes de ti. E mesmo assim, espero por ti, não sabendo sequer se é de ti que espero. Mas espero.

Podes vir com todos quantos te amaram, com todos quantos amaste. Espero-te, no meio de todos os defuntos. Trá-los a todos, como partes tuas que foram e são. Saberás que também as tenho, que também sei de cor todas as suas campas. Saberás que não me importo, saberás que estou-me bem a foder para esses tantos, os outros e as outras que se foram. Que se fodam, meu bem. Eu espero-te, esperando que não seja tarde.

Espero-te, numa esperança que retarda a distância. Daqui aí, vão páginas de história, versículos de uma missa para embalar os mortos. Daqui aí, vão dois volumes de versos lançados a fogueiras que queimaram solos revelados inférteis. Na geometria do que nos falta, somos dois vértices, meu amor. Somos duas pontas afiadas para matar esta espera. Espero-te, esperando que me esperes também.

Espero-te, e já se faz tarde. Já sangrámos demasiada carne neste bailado de corpos incendiados na ânsia do quanto te espero. Há demasiada fome neste tempo faminto que passei a esperar-te. Mas eu espero, porque esperar é o que tenho. Porque depois dos outros, ainda nos falta infinito. Porque depois do orgasmo, ainda nos falta alma. Porque depois do sexo, ainda nos falta amor. Porque em ti há um sopro que saberás ser só meu e um espaço dentro deste corpo que saberás ser só teu. E por isso espero, numa espera persistente. Espero-te, como quem espera nascer. Espero-te, como quem espera viver.

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