Carta à memória 2.0

Escrevo de dentro da liberdade do presente. Escrevo para um código postal distante, numa cela lá longe, um corredor de vultos, onde as promessas vão para morrer. Escrevo aos teus olhos criminosos, que tomaram de assalto as minhas horas. Escrevo para ti, que ficaste entre as cartas que nunca mais li. Escrevo porque passei o passado a ferro e tirei os vincos todos que me vinculavam a ti. Retirei os pregos da despedida, limpei o chão da casa e fiz das ruínas a renovação. Escrevo porque agora estas palavras não mais sabem de ti. Porque depois do fim do mundo descobri, enfim, que os meus dias cansados foram, afinal, a única coisa que perdi. E que o estrondo do mundo que acabou foi a erupção do mundo novo que começou.

Não me roubas mais o tempo que guardei para destilar as insónias do que aconteceu. Lembranças que arrumo em gavetas de madeira envelhecida, numa idade onde ser era ser-te. Não mais existes nesta hora, nem nas seguintes. Estás num tempo feito de equívocos, em que a única certeza era querer-te mais do que a verdade que trazias escrita nos olhos. Agora, vives só na minha memória como cinzas do que se foi nas palavras que já não são, consumidas pelo relógio. Agora, vive só nas minhas veias o verbo sem-abrigo, mendigo a vaguear pelas ruas que não conhecem os teus passos. Agora, vivo solto do que fui. Agora, pode a tua vontade voltar, há sempre espaço no museu para mais um pedaço de passado.

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