Brevidade eterna

Os olhos são oceanos fundos para a verdade. Foi mais ou menos isto que ela lhe disse no dia em que se amaram para sempre. No dia em que o tempo se vestiu de mar num segundo eterno.

– Basta um segundo para se amar para sempre.

Esqueceu-se apenas de mencionar que, como um oceano, a verdade pode matar até os navegadores mais experientes. Ele pensava já saber tudo sobre estas marés, sobre a espuma do amar que se forma das ondas que elevam o coração. Mas tudo parou naquele oceano afundado nela, um espaço intemporal onde afogou todas as verdades universais, dissipando os dogmas estabelecidos. De repente, as certezas são difusão de matéria, queimadas na acendalha de um olhar.

– Até conhecer os teus olhos, nunca soube o que era amor.

Disse ele, quando tudo se apresentou de transparência. Ninguém sabe o que é amar até que ame de novo. E é sempre maior, com mais força, com as entranhas, com tudo. De resto, de que merda vale a vida se não for com tudo? De que merda vale o amor se não vier das entranhas? Se amas e não amas com maior intensidade do que já amaste, então ficas a saber que não amas coisa nenhuma (a não ser quem tu já amaste). Se amas e não amas com a força que julgavas já não ter, então ficas a saber que ainda amas quem já amaste.

– Amar é viver, e ao contrário também se faz a verdade.

Disse ela, justificando a brevidade necessária para a eternidade, enquanto semeava o verbo que se conjuga em silêncio. Amar é um verbo que se conjuga no silêncio. Amar é viver um verbo que se conjuga no presente. Aí está a verdade, total, visceral, simples como tem de ser, arrebatadora como é. Mas há a dor, esse torniquete a apertar-nos as veias.

– Sabes que seremos breves o suficiente para que possamos ser eternos.

A verdade é que o amor dura o tempo suficiente para se tornar eterno. A verdade é que o amor dói também. E quantos de nós não julgamos ser mais fácil fugir da verdade? Correr para longe do que é doloroso. Só os loucos e os corajosos amam. Não há maior loucura do que amar, sem reservas ou condições. Não há maior coragem do que escutar a verdade e amar até que só nos reste isso. O amor dói porque arranca tudo. A verdade dói porque estilhaça a realidade. O amor dói porque cresce, porque preenche, porque ocupa. A verdade dói porque destrói para construir. O amor dói porque constrói para destruir.

– O melhor de te conhecer foi teres-me dado a hipótese da saudade dos teus olhos.

O amor é arte num excesso inebriante, onde a verdade se confunde com a ilusão. Dá para regressar de um amor antes do outro? Dá para esconder a verdade entre dois corpos que se conhecem antes de se conhecerem? A verdade está no fundo dos olhos, como a água que cura a sede no fundo do poço. Ela emerge, ele emerge, nas cordas de um verbo mudo e involuntário, como um espasmo de infinito.

– Nunca sabes o que é amar até que amar é a única opção.

E no amor há sempre mais para fazer do que dizer. As palavras são leves fora do silêncio. As palavras valem só pelo tamanho que ocupam no silêncio, onde os olhos se encontram e a verdade acontece. A maior declaração de amor é feita sem palavras. A maior verdade de todas é dita no silêncio de um olhar em sintonia:

– Agora tenho de ir para poder amar-te para sempre.

– Agora tens de ir para puderes ser amor para sempre.

Afinal, a verdade é um poema cruel numa página de simplicidade: amar é uma viagem sem retorno, rumo à eternidade.

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