As nossas horas cansadas

E as conversas que são sempre as mesmas (e são), e os sítios que são sempre os mesmos (e são), e as pessoas que são sempre as mesmas (e são), e os teus olhos que já não são os mesmos (e não são), e os teus braços que já não estão os mesmos (e não estão).

Houve uma altura em que fomos um mundo imenso. Um único corpo celeste, nascido do fundo de um único abraço. Depois vieram as reuniões até tarde, os treinos de futebol do Diogo (vai ser o próximo Ronaldo, acredita!), as aulas de música da Inês (vai ser a próxima Amália, acredita!), as horas cansadas. Não há nada pior do que o cansaço acumulado nas horas. Entulha-nos a vida toda, como se fossem camadas de pó a obstruir o que éramos antes. São toneladas de realidade a esmagar o que já fomos um dia, quando as horas corriam cheias de energia e os braços esticavam tanto, mas tanto, só para apertar a vontade da tua pele.

Mas depois veio a fadiga das horas, o trabalho, as contas, o carro na oficina, a escola dos miúdos. Depois veio a rotina. A rotina é o veneno de todas as coisas que morreram em nós. A rotina atropela-nos a felicidade em marcha lenta e é no colo dela que os braços ensonados se esquecem que servem para agarrar a vida. Essa mesma vida que agora só adormece nas horas gastas nesse soporífero da repetição quotidiana incessante. E agora as malditas horas estoiradas, a pingar apatia.

Lentamente e de repente, fez-se um hábito servente não esticar mais os braços letárgicos, não esforçar mais as pernas débeis, não abrir mais os olhos extintos. A sonolência da rotina instala-se e entorpece-nos os braços, as pernas, os olhos. Chama-se monotonia à dormência que se alastra por nós adentro. Leva tudo, devagar, e debilita-nos, de repente. Incapacita tudo, até o abraço. A pior rotina é aquela que incapacita o abraço, quando a única rotina permitida devia ser somente a que nos leva ao abraço.

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